Autoria:
Clélia Argolo Estill -Fonoaudióloga e
Psicopedagoga Clínica
—Meu filho
foi mal alfabetizado? ele é disléxico?
—Dislexia é
uma dificuldade de aprendizagem?
Problemas de aprendizagem são as múltiplas varetas
de um amplo guarda-chuva. Dislexia é apenas uma
delas, mas muito especial.
É mais fácil conceituá-la através do que não
é do que defini-la
pelo que é.
Com toda a certeza não é um problema de
inteligência, tampouco uma deficiência visual ou auditiva, muito menos um
problema afetivo-emocional. Então o que é ?
Dislexia
é uma dificuldade
específica de linguagem, que se apresenta na língua escrita.
A dislexia vai emergir nos momentos iniciais da
aprendizagem da leitura e da escrita, mas
já se encontrava subjacente a
este processo.
É uma dificuldade
específica nos processamentos da linguagem para reconhecer, reproduzir,
identificar, associar e ordenar os sons e as formas das letras, organizando-os
corretamente.
É certamente um modo peculiar de funcionamento dos
centros neurológicos de linguagem. É frequente encontrar-se outras pessoas com
dificuldades semelhantes nas histórias familiares.
Dislexia , não é
culpa de ninguém, nasce -se assim.
O importante é aceitar a dislexia como uma
dificuldade de linguagem que deve ser tratada
por profissionais especializados.
As escolas podem acolher os alunos com
dislexia, sem modificar os seus projetos pedagógicos curriculares.
Procedimentos didáticos adequados possibilitam ao aluno vir a desenvolver todas
as suas aptidões, que são múltiplas. Vale relembrar que os disléxicos estão em
boa companhia junto a Leonardo da Vinci e Tom Cruise, Einstein e Nelson
Rockefeller, Hans Christian Andersen e Agatha Christie, entre muitos outros.
O bom desempenho na leitura provém do equilíbrio
entre o desenvolvimento das operações da leitura, decodificação e compreensão,
interagindo com os estágios de desenvolvimento do pensamento e da linguagem. É
necessário não esquecer a importância dos vínculos afetivos estabelecidos com a
aprendizagem. Bons ou maus vínculos são preditivos de sucesso ou fracasso,
nesta jornada.
O sucesso da
operação inicial de leitura, a
decodificação, vai depender da habilidade linguística para transformar um sinal escrito, a letra, num sinal sonoro, o som, e vice-versa.
Associar letras e sons correspondentes, organizar,
sequenciar e encadear esta corrente sonora, é o caminho percorrido para se
apreender a palavra escrita.
Aqui
mora a dificuldade do disléxico.
Quanto
mais a leitura
e escrita, são necessárias na vida escolar, mais a dislexia
se revela, sendo confundida, muitas
vezes, com problemas gerais de aprendizagem.
As pessoas com dislexia tem dificuldades
de aprendizagem, porque tem dificuldades específicas de linguagem, não por dificuldades emocionais, lógico-operatórias ou
sócio-culturais.
As dificuldades de aprendizagem,
presentes na dislexia, são alterações decorrentes
das dificuldades específicas no
processamento linguístico, que tem a leitura e a escrita como suas ferramentas
principais.
O valor da intervenção precoce, no caso
de suspeitarmos da presença de fatores disléxicos, fala por si mesma, mas só
podemos considerar que alguém é disléxico, após dois anos de vivências
leitoras. Antes deste período podemos detectar "dificuldades ou
transtornos de leitura", que já necessitam de cuidados especiais, numa
postura preventiva.
Há muitos sinais, visíveis nos comportamentos e nos
cadernos das crianças, que podem auxiliar aos pais e educadores a identificar
precocemente alguns dos sinais preditivos de dislexia. A dislexia pode estar
associada à quadros de déficit de atenção (DDA), mas nem todo o déficit de
atenção é acompanhado de dislexia.
Citamos algumas dificuldades, tais como:
- demora
nas aquisições e desenvolvimento da linguagem oral; dificuldades de expressão e
compreensão; alterações persistentes na fala;
- copiar e
escrever números e letras inadequadamente;
-dificuldade
para organizar-se no tempo, reconhecer as horas, dias da semana e meses do ano;
-
dificuldades para organizar sequências espaciais e temporais, ordenar as letras
do alfabeto, sílabas em palavras longas, seqüências de fatos ;
-pouco
tempo de atenção nas atividades, ainda que sejam muito interessantes;
-dificuldade
em memorizar fatos recentes - números de telefones e recados, por exemplo;
- severas
dificuldades para organizar a agenda escolar ou da rotina diária;
-dificuldade
em participar de brincadeiras coletivas;
-pouco
interesse em livros impressos e escutar histórias;
É preciso ter uma especial atenção com as crianças
que gostam de conversar, são curiosas, entendem e falam bem, mas aparentam desinteresse em ler e
escrever.
Vale a pena, no caso de
crianças leitoras, oferecer um mesmo problema matemático, escrito e oral, e comparar
as respostas. Frequentemente encontramos respostas diferentes, corretas na
questão oral e incorreta na mesma questão escrita.
A mesma criança que parece não saber resolver um
problema matemático por escrito, poderá ter um desempenho surpreendente quando
o mesmo problema lhe é apresentado oralmente. Esta situação exemplifica como
podemos confundir os sinais - a dificuldade não é na aprendizagem da
matemática, mas na leitura.
A pessoa com dislexia não mereceria ser
atendida na vida escolar através de seus melhores canais de comunicação— a
linguagem oral antecedendo a linguagem
escrita
? É um caso a pensar …
Mas a dislexia não é privilégio das
crianças recém alfabetizadas, ou que estão na 1ª/2ª séries.
Há crianças que apesar de todas estas dificuldades,
conseguem aprender a ler mas vão carregando a sua dislexia camuflada.
Estas crianças, incompreendidas em suas
dificuldades, muitas vezes são vistas como desinteressadas, e cobradas com
quantias que não têm como pagar. É quando podem surgir as reações de apatia ou
revolta.
Sempre nos dão sinais, é só seguir as
pistas para melhor compreendê-los:
-dificuldades
nas aquisições lingüísticas: dificuldades em reconhecer rimas e aliterações;
vocabulário reduzido; construções
gramáticais inadequadas, severa dificuldade para entender as palavras
pelo seu significado ;
-dificuldade
em fazer cópias, trabalhos e agendas incompletas;
-dificuldade
na leitura, lê mas não entende o que leu;
-importantes
dificuldades de organização sequencial tempo-espacial; seqüências e rotinas
diárias;
-dificuldades
em matemática, cálculos e desenhos geométricos;
-grande
dificuldade para organizar-se em suas tarefas de vida diária;
-especial
dificuldade para aprender uma segunda língua;
-confusões
de orientação, trabalhar com dicionários e mapas é mais um complicador.
-
alterações de comportamento - agressividade, desinterêsse, baixa auto-estima e
até mesmo condutas opositivas-desafiadoras.
Enfim, o disléxico não identificado, pode
reagir a tantos obstáculos com comportamentos inadequados, que complicam ainda
mais a sua vida.
Mesmo dando tantas pistas, o disléxico pode não ser
reconhecido como tal e chegar à vida adulta carregando frustrações que o
impedem de tomar conhecimento de suas habilidades, que certamente são muitas.
Felizmente já existem profissionais que estão
atentos aos problemas da dislexia e tentando vir ao encontro desta população
desassistida, através de associações, com objetivo de ampliar as pesquisas,
estudos e oferecer apoio às famílias, escolas e profissionais que atuam junto à
estas pessoas portadoras de dificuldades específicas de linguagem escrita - a
dislexia.
Importante é pensar a dislexia como uma modalidade
peculiar de processamento da linguagem, o que vem sendo cada vez mais
pesquisado pelas ciências neuro-cognitivas, tendo a linguagem como vetor.
A pessoa com dislexia, ou com fatores disléxicos,
mereceria ser examinada e acompanhada
por profissionais especializados em linguagem, para que não venham a ser
confundidos os sintomas de distúrbios na linguagem com distúrbios de
aprendizagem.
Vale
lembrar —alguém não é apenas a dificuldade que apresenta, esta é só um
detalhe de uma paisagem, rica, complexa e bela.
Clélia Argolo Estill
—Vice-presidente da AND - Associação Nacional de
Dislexia
— Ex-membro do Conselho Científico da
ABPP -RJ
-
Associação
Brasileira de Psicopedagogia - Rio de Janeiro
Observação: este artigo foi publicado no
jornal "OGlobo" - Jornal da Família